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Sobre carnavais, calor e liberdade.


O Rio de Janeiro é um universo particular nesse mundo Brasil. Aqui, os fogos estouram e já vem um trio elétrico cantando axé aos sons de atabaque e trompete. O caso é que o Rio entra em ritmo de carnaval em sei lá, novembro?

Eu nunca fui foliã, minhas pernas não aguentam e com a pouca idade aparente (afinal ainda tenho 26), minha alma é anciã. Eu gosto de um netflix, eu gosto de um baralhinho com os amigos, eu gosto da monogamia e tenho, aos poucos, aprendido e gostado de estar só comigo mesma (essa última parte é mentira, mas eu falo muitas vezes pra ver se eu acredito). Acontece que todo fevereiro/março cai sobre o mundo todo um raio “danielamercurizador”, eu não sei quando começa a incorporação, eu sei que antes do ano acabar, meus amigos já estão frenéticos esperando a agenda de blocos e pensando nas milhões de fantasias que vão usar.

Eu vivo em Portugal há seis meses e estava no maior inverno que já peguei na vida. Ora, pra uma cearense que morava no Rio de Janeiro, 4 graus é frio pra caralho. Então quando eu decidi vir de férias para o Rio, pra resolver milhões de coisas, eu fiquei muito maravilhada de estar aqui nessa época, afinal, qual calor é maior do que o de mais de mil pessoas se esfregando suadas, batendo palmas e em uníssono cantando que “o sol não apareceu e é o fim da aventura humana na terra”? Eu precisava do carnaval como quem precisa de água – no caso, como quem precisa de uma cervejinha bem gelada nesse Rio 40º.

Eu dormia e acordava pensando nos looks que eu ia usar em cada bloco e gastei um dinheirão no saara com todo o material pra confecção de fantasias diferentonas, em como eu ia pular feliz com os meus amigos, até criei um grupo no whatsapp chamado “CARNAVRAU”, olha... eu tava muito empolgada, com muita vontade de capturar toda a energia de mágica e alforria que o carnaval dá pra gente. E eu não digo alforria no sentido de estar sempre pronto pra dar um beijo na boca de uma pessoa cheia de glitter. Digo alforria no sentido de que sim, o carnaval e seus ambientes têm um encantamento próprio de fazer com que você se liberte dos seus próprios monstros, das suas caretices, das suas idiossincrasias, de tudo o que te prende e te reprime. E eu juro que não quero usar essa época como desculpa para as minhas transgressões, eu sou transgressora por natureza. Eu rasuro o papel, deixo o rímel borrar, deixo meu corpo se inundar de suor, eu me jogo. Mas é que o carnaval te dá essa carta de autorização e é ótimo.

Viver em sociedade é complicado, a gente lida constantemente com as consequências dos nossos passos. E o Brasil tá pesado, né? Como eu li outro dia: “o brasileiro acorda, toma café, lê uma tragédia e vai trabalhar”, tá foda. Eu tenho essa mandinga de no primeiro dia do ano falar uma palavra. Eu falo algo que eu quero muito que aconteça, ou o nome de alguém que eu quero muito na minha vida, eu falo algo que rege os meus outros 364 dias. Dessa vez, meia noite, depois de alguns bons drinks, só pra não quebrar a tradição do ano novo, eu gritei internamente: "foda-se". Na minha listinha de projetos futuros, planos e coisas que eu não posso deixar pra lá, eu só anotei três coisas: 1) Mover-se. Físico e metaforicamente; 2) Manter a elasticidade do corpo e da alma; 3) Aprender a ser feliz.

Apesar de toda a angústia/preguiça que eu ainda sinto nessa obrigação que a gente tem de se divertir na folia e da tentação de ficar em casa com filminho, comida e ar-condicionado, me é extremamente necessária essa decisão: estamos em março e eu bati na porta da felicidade e perguntei se podia entrar, ela me disse que ali entrava quem queria, que não precisava bater na porta, pedir licença, perguntar se pode beber água. Que ali, no meio do bloco da alegria, é um espaço puro e quem entra só tem que ir de peito aberto e disposto a receber um milhão de abraços. Entrei, não aos poucos, não com medo de pisar em alguma coisa ou derrubar algum móvel. Entrei me escancarando e pulando, contrariando Vinícius de Morais. Duvido que Vinícius tenha cantado de braços abertos Ney Matogrosso no “Amigos da Onça”. Duvido que Vinícius tenha tido a dor gostosa de deitar na cama e sentir os músculos ainda eletrizados. Ai, Vinícius, eu não vou dizer que sinto pena, porque pena é um sentimento que não é bom sentir, mas como eu queria, Vinícius, que a tua tristeza tivesse fim e a felicidade, não.

Eu sei, felicidade são momentos, afinal, ninguém aguentaria viver a vida gozando. Não ia dar pra valorizar, não ia dar pra perceber o orgasmo. Mas nessa festa, eu sigo com Maria Bethânia: sumindo no vento, cavalgando no raio de Oyá, girando o mundo, virando, revirando, voando entre as estrelas, brincando de ser uma, corpo vivo de Xangô. “Não ando no breu, nem ando na treva/É por onde eu vou que o santo me leva”. Não meche comigo, que eu não ando só e... JÁ É CARNAVAL.


NOTA IMPORTANTÍSSIMA: Ainda que todo esse texto seja pra te incentivar a viver a loucura na folia, tá tudo bem se você quiser ficar em casa, tá sempre tudo bem, o importante é ser feliz. E se você for pular carnaval comigo, lembre-se de usar camisinha, beber muita água e não ligar pra o ex.



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