– Eu me casei com um primo de segundo grau. Ele é o filho mais velho, e aqui isso é bom. O filho homem mais velho ganha um pedaço de terra, então eu casei já com terra, mas sem casa.
No começo o homem sempre vem morar um pouco na casa da família da moça, é uma forma dele ver se ele vai gostar. Depois é a moça que deixa tudo e vai morar na casa da família dele, enquanto constrói a sua casa. Eu já tenho casa, só não tenho telhado. Tá no plástico, porque o governo – por causa dessas construção todas (se referindo aos hotéis que formam verdadeiros canteiros de obras no centro) – não deixa mais derrubar árvore, então eu não posso construir meu telhado, só pego madeira para o fogo esquentar a casa. Mas, uma hora eu terei, a minha terra e o meu telhado.
Quando pergunto a Lala qual é o seu sonho ela responde de imediato:
– Meu sonho é ter a minha casa e um dos meus três filhos na universidade. Os homens por aqui não estudam, não sabem inglês, só as mulheres que aprendem sozinhas.
– E os homens trabalham em que?
Ela diz sem se queixar:
– Eles cortam lenha e fazem o trabalho pesado em casa, ficam um pouco com as crianças quando eu estou ocupada na cozinha ou nos serviços de casa.
Uma parte disso me pareceu com a realidade da mulher brasileira, que trabalha fora, trabalha em casa e que conta com o marido para “ajudar” com os filhos.
O que é bastante diferente é a forma que Lala fala desse assunto, não há queixa, não há espaço para qualquer questão, há uma aceitação natural. São as coisas do meu povo e pronto. Perceber que quem coloca o dinheiro em casa, na maioria das vezes é também a mulher, também foi uma surpresa.
O homem por aqui ocupa um lugar de destaque social nítido, e eu arriscaria dizer que o homem Black Halong tem um poder bastante definido em sua cultura. Um poder sobre as mulheres e pra além das mulheres.
Fazer as coisas de casa e deixar o marido em casa, como no caso dela, me parece o comum, eu só vi mulheres trabalhando na rua e em uma das casas que entrei tinha cerca de seis homens em volta do fogo conversando. Tudo está tão absorvido culturalmente que não há espaço para questionar nada. “É assim no meu povo”, ela diz várias vezes.
No dia seguinte, quando pergunto se ela chegou bem em casa. Ela fala rindo:
⁃ Meu marido não foi me buscar no local combinado com sua lambreta, e eu tive que andar mais 20 km para chegar em casa. Quando cheguei, ele estava bebendo com os amigos, fui então lavar o cabelo, fazer a comida e como ele não tinha cortado a lenha para fazer o fogo, ficamos sem luz.
⁃ É comum os homens beberem por aqui?
⁃ Sim, é comum. Alguns exageram outros só às vezes.
⁃ E as mulheres?
⁃ Algumas, pouco.
⁃ E tem droga por aqui?
⁃ Tem ópio. E quem se mete com isso é um problema. Se você carrega pouco não, mas se você é pego com uma grande quantidade você pega prisão perpétua. Teve o caso de um menino da minha vila, que foi pego e foi condenado, aí o pai que já era mais velho pediu para trocar de lugar com ele, pois só assim ele poderia ficar para cuidar da mãe e dos irmãos, e assim foi feito. Agora o menino tomou jeito e o pai tá na prisão.
Lala sorri, fala, canta para o seu bebê, dá o peito, anda com força, faz tudo junto, como a maioria das mulheres da cultura fazem diariamente, mas os ritos e costumes me deixam de fato impressionada.
Paula Dutra
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